De jantar com CR7, ao abandono no Real Madrid e desemprego: ex-joia recomeça no Brasil
Da Redação
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A vida de Alípio parecia um conto de fadas no futebol. O menino pobre de Brasília, que não conheceu o pai e perdeu a mãe aos 10 anos, tinha um enorme talento com a bola nos pés. Conseguiu uma oportunidade no futebol e, quem diria, chegou às categorias de base do gigante Real Madrid. Era tratado com uma jóia merengue, acompanhado por um dos maiores agentes do mundo e conheceu Cristiano Ronaldo em um jantar.
"Meu empresário era o Jorge Mendes e tive contato rápido com a alta cúpula do Real. Mesmo estando lá, eu vivia em um mundo à parte. Cheguei a sair com Pepe, Marcelo e CR7 em um restaurante. Mas não falei muito com eles porque sou reservado e não queria incomodar", disse ele, que hoje está no Vitória, em entrevista ao ESPN.com.br.
Com uma trajetória como essa, muitos poderiam imaginar que seria apenas uma questão de tempo para ele chegar ao topo do esporte, mas o destino tinha outros planos para o jovem. Muito longe do glamour dos grandes clubes europeus.
"O Real Madrid negligenciou uma tendinite e isso me complicou bastante", relembrou.
Pouco menos de cinco anos depois de chegar ao clube, ele estava cansado da vida de atleta e tinha decidido desistir. Tinha sofrido muito com as contusões, com a solidão e as promessas não cumpridas. Era necessário abandonar as ilusões do futebol, pois iria se casar e era hora de conseguir sustentar a familia.
Para entender toda essa reviravolta na vida do atacante, hoje com 23 anos, é preciso voltar às origens da vida dele no futebol.
DE GRÃO EM GRÃO...
Quando menino, Alípio atuava em uma escolinha da capital federal chamada Dois Toques. Foi lá que ele deu os primeiros chutes na bola e chamou atenção do Internacional. No clube gaúcho ficou pouco tempo. Rapidamente o jogador partiu para o Rio Ave, de Portugal, onde foi promovido ao time profissional com apenas 15 anos.
"Eu tive problemas para ser inscrito na federação portuguesa por ser órfão. Então, vim ao Brasil e me emancipei antes de voltar para Portugal. Fiz alguns amistosos e depois fui para o Real Madrid", recordou o jogador.
Pelo time B da equipe merengue, ele foi treinado por José Lopetegui (ex-treinador do Porto) e atuou ao lado de Morata, Nacho, Carvajal, Jessé e do brasileiro Rodrigo - todos eles conseguiriam se destacar por algum clube no Velho Continente.
"A experiênca foi excelente. Apesar de eu jogar no time B eu pude sentir o que é o Real Madrid. A direção cobra mesmo, não importa que é a base. Fiz alguns treinos contra o time principal deles e uma vez até marquei um gol. O Raúl jogava por lá, mas nós perdemos por 4 a 1", disse, aos risos, o jogador.
Mas, apesar da empolgação, o destino voltou a castigar Alípio. No Santiago Bernabéu, ele sofreu com uma grave tendinite e temoroso de perder a vaga no time aceitou 'ignorar' o fato.
"Acho que algumas escolhas minhas me prejudicaram. Em Portugal, eu estudava e fazia amigos fora do futebol. No Real Madrid, eu precisava ter uma válvula de escape também, mas não fazia outra coisa além de jogar. Eu poderia ter me imposto poque a lesão virou uma bola de neve que eu tive de aguentar. Eu acho que deveria ter parado de treinar".
Além de superar a solidão, ele precisava esconder a situação de sua tia, que o criou após o falecimento da mãe e morava no Brasil. "Ela já é uma senhora e não podia ficar para cima e para baixo comigo por lá", afirmou.
"O pouco que conversava sobre o assunto era com meu empresário. Ele falava que eu precisava passar por cima. Por falta de maturidade eu deixava de lado o que realmente sentia. Eu só fui tratar disso quando fui ao Benfica. No período no Real não fui tratado, até por isso saí de lá", relatou.
'TEM AMIGO QUE NÃO SABE COMO NÃO ENLOUQUECI'
Ao deixar o Real Madrid, Alípio conseguiu um outro clube grande: o Benfica, de Portugal, mas a aventura em terras lusitanas durou pouco. Apesar de ter firmado um contrato de cinco anos, ele não teve muitas chances por causa das lesões. Resolveu pedir empréstimo ao América-RN e depois no Al Sharjah, dos Emirados Árabes Unidos, em 2011.
"Voltei para o Brasil para tentar uma solução, mas com problema no BID fui embora sem jogar pela Série C do Brasileiro. Fui para os Emirados e fiz exames, me disseram que não poderia treinar. Então voltei pra operar em Portugal", recordou.
"Depois me recuperar do tornozelo eu rompi o ligamento do joelho, logo depois dessa. Foram dois anos e meio sem jogar. Só me tratando pra voltar e pensava em desistir várias vezes", relembrou.
"Desde que operei pela primeira vez nunca mais tive contato com o Jorge Mendes. Ele poderia ter me ajudado, mas eu não guardo rancor dele porque ele fez boas coisas por mim. Até porque ele era empresário dos maiores jogadores do mundo, ele poderia estar do meu lado, mas você sabe como é o futebol", lamentou.
"Tem amigo meu que não sabe como não enlouqueci porque depois dos 18 anos passei sozinho por tudo isso. Não tenho mais pai e mãe. Eu amadureci muito com tudo isso, vejo pela diferença em algumas atitutes e na maneira de lidar com os problemas. A diferença da minha conduta e de amigos meus mais velhos é grande", analisou.
Com 20 anos, duas cirurgias, sem sequência de jogos, o mercado estava totalmente fechado para o jogador. "Estava sem opções de jogar. Pedi minha rescisão de contrato e não aceitaram e fui pra o Omonia, do Chipre, por empréstimo. Lá voltei a jogar e fui recuperando a confiança fiz amizades e conseguia conversar em inglês", disse.
A ÚLTIMA CHANCE
Após uma passagem frustrada Apollon Smyrni, da Grécia, Alípio voltou para Brasília em janeiro do ano passado, disposto a abandonar a careira.
"Este período foi o pior de todos, tinha tomado a decisão de largar o futebol, estava atrás de faculdade e outras coias. Acho que foi o acúmulo das coisas que tinha passado até então. Foi bem complicado porque estava de casamento marcado, em alguns meses e estava numa sinuca de bico. Estava esperando que de alguma forma Deus me ajudasse", prosseguiu.
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Foi então que graças ao carinho da família e dos amigos tudo mudou. "Meu sogro, João Carlos, é um cara sensacional, e foi uma das pessoas que se esforçou pra que eu não largasse o futebol. Em fevereiro, o Edmardo Singo, meu primeiro treinador, me arrumou uma vaga no Luverdense. Foi bom, eu fique feliz por poder jogar no meu país e ficar perto das pessoas que amo", comemorou.
"Caso não desse certo eu largaria o futebol, era praticamente a minha última chance. Ou vai ou racha. Mas tudo foi bom, me adpatei bem à cidade, bem tranquila e pacata, bem meu estilo", afirmou.
Na Série B do Campeonato Brasileiro, ele foi o grande nome da equipe de Lucas do Rio Verde. "Nosso segundo turno foi ótimo e brigamos pelo acesso, então ganhamos destaque e surgiram várias propostas interessantes. Isso foi bom pra ter minha auto estima de volta. Estava quase no fundo poço e é uma lição de vida que carrego", filosofou.
"Tem muita gente que sempre esteve comigo em todos os momentos. Me deram muita força. Eles que fazem parte dessas pequenas conquistas. Não é só agora que eles estão do meu lado", vibrou.
CONSELHOS AOS MAIS JOVENS
Alípio acertou com o Vitória nesta temporada e trabalha agora com o empresário Eduardo Uram. Vivendo um dia de cada vez, ele virou um homem mais realista.
"Eu não tenho ilusões no futebol nem aquele sonho de voltar pra Europa, seleção brasileira. Eu comemoro mais as conquistas do dia a dia. Eu trabalho com esses objetivos, mas hoje em dia me considero um profissional. Me dedico e como consequência disso as coisas acontecerão naturalmente", analisou.
"Aprendi a ser feliz fora de campo também, me casei em junho do ano passado. Minha esposa, chamada Aline, é um pilar na minha vida. Valorizo minha família e procuro viver fora do futebol bem".
Para os mais jovens, ele deixa um alerta de quem alcançou e perdeu o sonho de estar em um grande do futebol, mas conseguiu superar as adversidades.
"Eu não recomendaria sair novo de casa como eu fiz. Fique em casa com teus pais. Quem tem oportunidade de jogar em um bom clube no Brasil não se aventure. Nenhum garoto de 16 anos tem maturidade pra enfrentar tudo iso. Às vezes pode até ir bem em campo, mas viver uma vida infeliz fora dela, e o preço é muito alto", alertou.
"O próprio Neymar jogou vários anos aqui, construiu o nome dele e chegou até a seleção. Está em Barcelona com a família e os amigos, foi para lá com outro status. Ele é o melhor exemplo possível", finalizou.
*Reportagem de: Rafael Valente e Vladimir Bianchini, do ESPN.com.br